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Esvazio o último copo de conhaque goela abaixo. Um rápido gole e tudo que havia dentro do pequeno copo desaparece. Ânsia, tudo gira e peço outro trago. Na tentativa vazia de me esquecer, tomo um copo atrás do outro. A mesa está horrivelmente suja, diante de mim, algumas prostitutas dançam quase nuas. Belas mulheres cheias de vida, amam seus corpos mais do que eu amo o álcool.
Sou um sonho apagado, as luzes apenas criam sombras ao meu redor. O gosto de vômito enche cada canto de minha boca, mas prefiro isso à vida vazia que tento encontrar longe daqui. Não acredito em deus, não acredito em porra alguma, quero apenas um pouco de sexo, sem sentimentos sem nada além do vazio maldito que encontro em cada pequeno detalhe da existência.
Amor; essa palavra me enche de nojo. Tudo o que ela representa me é tão asqueroso quanto um copo de água fresca ao amanhecer. Ela me rodeia e isso me enche de raiva, um sentimento descomunal vazio pura desgraça.
Cheira a álcool e queima como fogo. Estou tão embriagado e não pretendo parar.
Lá fora, chove.
Aqui dentro, o inferno toma forma.
O banheiro cheira mijo e sexo. Não consigo me lembrar como diabos vim parar aqui, sinto uma onda úmida percorrer meu corpo. Um jato de vômito se lança para fora de mim. Preciso de mais um gole de cerveja.
Como uma explosão, a música estoura em meus ouvidos. Rock. Danação. O inferno é aqui. Um velho dá em cima de uma menina em um canto escuro. Ela deve estar completamente bêbada; ele, morrendo de vontade por uma trepada rápida e suja. Os dois se enroscam e eu não me contenho. Solto uma bela e longa gargalhada, e o casalsinho apenas continua seu rito de acasalamento.
Em uma das mesas de sinuca, duas garotas se amassando. Numa tentativa falida de se devorarem ambas se lançam cheias de paixão… Uma dança rústica e sem passos marcados. Um grito de desespero ecoa em meus ouvidos, infelizmente estou perdido demais para poder fazer algo.
Poesia em sua forma mais bruta, mais visceral, mais pungente. Percebo apenas um mundo sem sentido ao meu redor, e percebo; o que me importa ali são aquelas almas escorregadias que encontram refúgio naquele hospício demasiado humano, demasiado teatral.
Não importa, não procuro salvação, mas a maldita vontade de amar me persegue. São tantos rostos, belos e tristes por todos os cantos. A névoa não faz parte do sonho, é apenas fumaça dos cigarros acesos que se perdem na escuridão. Pessoas que não significam nada para mim, mas como, em menos de um segundo, eu lhes daria um pedaço gigantesco de minha vida. Uma conversa. Um abraço. Quem sabe até mesmo um beijo.
E uma garota dança, leve como uma pluma, pula ao ritmo da música que é tocada por uma banda. Neste lugar onde tudo parece ter o peso do mundo, ela voa como um anjo. Talvez não precise de salvação, mas aquela garota me faz acreditar que ainda exista alguma redenção. Quando ela terminar sua dança esplendorosa, vou incomodá-la com um pedido de amor. Vou lhe oferecer a chance de ser minha salvadora. Se existe motivo para viver, ela deverá me mostrar.
Então, o silêncio. Observo cada detalhe, mesmo sem noção alguma de onde estou, vou a sua direção. Seu sorriso me atrai, me enche de energia, de vida. Um tesouro perdido; e eu o encontrei, não preciso de ninguém para me guiar.
Olá, quase grito. A voz doce me responde com um singelo olá. Conversamos. Pergunto se ela aceita uma bebida, e aquele sonho real me diz que não bebe. Desisto de beber. Pego uma bala em meu bolso e a convido parar sentar lá fora, onde está menos abafado, quero tomar um pouco de distância desse inferno que agora parece tão inapropriado.
Há uma mesa vazia, parece que nos espera, vou em sua direção, mas a garota prefere ir para fora. Não está mais chovendo, no céu a lua brilha por detrás das nuvens espessas e carregadas que vão sendo arrastadas para longe graças ao vento forte que sopra. Carros, bitucas de cigarro, tantas pessoas, e me sinto em outro lugar. Em segundos me sinto sóbrio, completamente acordado e vivo
sonhos se perdem todas noites
e são encontrados, esquecidos e maltratados,
por vagabundos desavisados
aquilo, meu sonho, minha vida. E eu conversava, sorria, seu nome não importava, senti que perguntar aquilo seria como um pecado e eu não queria cometer mais nenhum. Sua alma se encaixou na minha, o tamanho perfeito, o recorte certo, me senti completo. Ela encostou seus lábios nos meus, e antes mesmo que tivesse tempo parar pensar, sussurrou ao meu ouvido, ‘te encontro antes mesmo que me procure’, e caminhou até desaparecer no infinito inalcançável.
Fui embora, não estava com saco para esperar carona alguma, segui a pé até minha casa, um quartinho apertado em um prédio velho e acinzentado no centro da cidade. No caminho, nada além da vontade de encontrar aquela menina novamente
te encontro antes mesmo que me procure
antes mesmo que procure
que procure,
mas eu já estava procurando e ela não me encontrou. Desde aquela noite já se passaram anos, e ela não me encontrou. Ela não vai me encontrar. E eu não mereço redenção nenhuma. Enquanto isso, sou levado pela vida, não encontrei caminho algum, então apenas vivo. E espero. Apenas.

Anoitecendo. O sol está se pondo, em alguns minutos estará completamente escuro, a noite tomará conta de cada espaço vazio com sua escuridão, as poucas sombras que existirão serão as projetadas por luzes artificiais destes postes que ao longo desta avenida seguem até o infinito. “O infinito começa depois daquilo que meus olhos não conseguem ver?” se pergunta o velho tocador de violino, presente todas as tardes em um dos bancos em frente ao parque. Talvez esta seja uma de suas maiores dúvidas, mas sem resposta, ele logo se esquece de sua importância.
Um casal caminha pelas calçadas. Param, observam, volta a caminhar. Conversam, mas na maior parte do tempo, apenas mantêm o silêncio e contemplam tudo que surge ao seu redor. Aquele parque, aquela calçada, aquele lago, onde daqui a pouco a lua estará vendo seu reflexo surgir, tudo ali é bem conhecido pelos dois, no entanto sempre buscam novos detalhes, novos pretextos para poderem se encontrar ali todos os finais de semana. Conheceram-se há alguns meses, mas nunca se preocuparam em descobrir os nomes um do outro.
Nunca se preocuparam com nada que pudesse aprisioná-los em um relacionamento mundano e vazio, buscavam o que havia de etéreo, de metafísico nas próprias existências. Onde trabalhavam, onde moravam, como viviam, quais os planos do futuro, como era a vida que levavam, sempre tentaram manter distância destas perguntas vazias, e imbecis como responderiam com ânimo a qualquer um que perguntasse.
Ele, com uns vinte e cinco ou seis anos, moreno, barba por fazer, um possível vagabundo, mas inquietante, o tipo de pessoa que vale a pena conhecer, que nos mostra como tudo vale a pena, mesmo que seja apenas pelo motivo de se existir. Ela, um pouco mais nova; acredito eu, mas não sei dizer ao certo quantos anos, sempre com longos vestidos pintados à mão, parece saída de um quadro impressionista, nada é muito bem definido, tenho a impressão de que milhares de pinceladas foram se unindo e formaram seu corpo. Seu olhar é incrivelmente belo, não posso explicar, mas toda sua beleza se concentra nos olhos que sempre se mostram perdidos no vazio.
Vazio. O mundo se apaga enquanto eles caminham, lado a lado, e discutem tudo que parece ser realmente importante. Duas pequenas manchas, cheias de vida e angústia. Adoraria fazer parte daquele mundo mesmo que por alguns minutos, porém isto me parece errado. Aquilo não foi feito para pessoas, não foi feito para humanos, mas para sentimentos, instintos, nada mais. Não duvido que possuam uma vida, já os vi em diversos pontos da cidade, ela sempre arrumada, com um certo ar burguês. Ele, bêbado, gritando poesia e música a todo pulmão. Explicitando verdades que deveriam permanecer ocultas.
Eles me enchem de vontade de viver. Não consigo compreender muito bem o que isto significa, mas todos os finais de tarde, venho para cá. Pinto tantas cenas do dia a dia, mas nenhuma delas me dá tanto prazer quanto o que vejo quando observo os dois. Queria poder fazer parte da cena, mas acho que não me cabe. Sou apenas o observador, um especulador da vida alheia, meu papel é eternizar a essência destes apaixonados que apenas existem. E nem isso consigo fazer direito. Idéias sempre me foram mais belas que o quê encontro na realidade.
O reflexo da lua na água é tão majestoso, contudo devo ir. Tenho uma vida a minha espera, e infelizmente, dou-lhe mais importância do que gostaria.

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